Texto-base: O mundial e o desenvolvimento

O desenvolvimento do Brasil, particularmente quando expresso em termos de crescimento sustentável de sua economia – e a consequente distribuição de resultados materiais – vem, há anos, ganhando relevância no debate nacional. Retornou à pauta com força semelhante à que teve em dois períodos específicos de nossa história – os anos 1950 e o denominado “milagre brasileiro” da década de 70 do século passado – e recolocou em foco, de forma atualizada, muitos dos pressupostos e condicionantes que marcavam as polêmicas daquelas épocas.

A certeza da importância estratégica do tema e a natural aderência da engenharia ao debate em curso (enquanto cabedal de conhecimentos tecnocientíficos e métodos de análise e execução) levaram nossa federação a lançar-se, já há algum tempo, em um processo contínuo de estudo e discussão pública do crescimento econômico, traduzido no projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, cujas atividades vêm obtendo reconhecido sucesso e forte repercussão.

A primeira série de eventos sob a bandeira do “Cresce Brasil” não só estabeleceu uma metodologia comprovada de abordagem da temática associada ao desenvolvimento, como permitiu três desdobramentos de relevância, as séries “Programa de Aceleração do Crescimento – PAC”, “Metropolização” e “Enfrentando e superando a crise”. A dimensão e o alcance dessas iniciativas podem ser mensurados pela realização de mais de 200 diferentes encontros e seminários, envolvendo acima de 10 mil participantes altamente qualificados.

A realização, em 2014, da Copa do Mundo de Futebol no Brasil pode – e deve – ser compreendida como um momento-síntese de análise e proposições para a continuidade do desenvolvimento nacional, pela vertente do crescimento econômico, e é nessa ótica que lançamos a nova etapa de nosso programa: a série de eventos que denominamos “Cresce Brasil – Copa do Mundo”. O presente texto busca alinhavar algumas considerações de caráter geral e normativo que, esperamos, possam dar um norte às atividades do programa, evitando dispersão de esforços ou perda de foco da iniciativa. Simultaneamente, o jornal Engenheiro, publicado pela federação, já passou a integrar em sua pauta corrente reportagens e artigos referentes a cada uma das cidades-sede, como elemento de preparação das discussões que serão deflagradas.

Um cenário complexo
Além dos desafios técnicos e financeiros que envolvem as ações necessárias para sediar-se, a contento, um evento dessa magnitude, há que se considerar aspectos que transcendem a “mera engenharia”.

Em primeiro lugar, devemos levar em conta o caráter “multi-instância” da Copa, em que se interligam estruturas e dinâmicas tão díspares e potencialmente conflitantes quanto:

• organismos internacionais (Fifa);

• os três entes federativos nacionais (União, Estados e Municípios);

• os múltiplos agentes privados (CBF; empreiteiros de obras públicas; patrocinadores; investidores; empresas de turismo; transportadores locais, regionais, nacionais e internacionais; meios de comunicação etc.);

• os organismos de fiscalização (tribunais de contas, controladorias, ministérios públicos) e eventuais ações judiciais;

• o expressivo caráter simbólico que as competições de futebol têm entre os brasileiros;

Um cenário dessa natureza implica, necessariamente, o estabelecimento de mecanismos de arbitragem, dinâmicos e reconhecidos, e a preponderância da formação de consensos, para além das soluções “tecnicamente ótimas”. Em poucas palavras, o sucesso da empreitada está, em boa medida, no êxito da política a se estabelecer na condução de sua preparação e execução.

Um segundo elemento de destaque é a inevitável “contaminação político-eleitoral” que cerca a realização da Copa. Desde a coincidência de datas com o processo eleitoral brasileiro de 2014, a disputa pela direção internacional da Fifa (ora em curso), até o impacto direto dos investimentos e obras na vida cotidiana das cidades-sede, passando pelo reconhecido apelo midiático que o tema tem entre os cidadãos, é inescapável a conclusão que boa parte das opiniões e até mesmo informações podem ser objeto de viés partidário e que sempre estarão presentes na pauta elementos “externos” à avaliação de caráter objetivo ou “técnico”.

Adicionalmente, percebe-se um claro enviesamento do debate público em curso, particularmente o expresso através dos principais veículos de comunicação de massas. A pauta mostra claros sinais de desvirtuamento, por um somatório deletério da “síndrome de vira-lata” (a postura descrente das capacidades e potenciais do País e dos brasileiros) com a espetacularização interessada das dificuldades e desafios que naturalmente cercam um projeto das dimensões da Copa do Mundo de Futebol. Sem incorrer em momento algum no ufanismo ou na displicência, cremos que urge a reversão desse clima construído, em nome da seriedade e da objetividade.

Essas componentes políticas exigirão um esforço redobrado de análise, ponderação e triagem de elementos, de sorte a permitir que o processo decisório e a escolha de alternativas tenham aderência aos fatos e condições objetivas e não, meramente, a intenções e vontades.

Uma terceira consideração que julgamos pertinente e necessária refere-se à gama de interesses financeiros privados que estão em jogo e cujo poder de administração de informação não pode, em momento algum, ser minimizado ou desprezado. Como já se disse sobre as guerras, a movimentação de recursos na casa das dezenas de bilhões de dólares costuma fazer da verdade sua primeira vítima.

A própria segmentação da pauta de discussões que propomos, em torno de dez macroáreas de concentração, já demonstra a variedade, riqueza e complexidade do evento, exigindo um arsenal robusto de conhecimentos e metodologias criativas e eficazes de gestão (Mobilidade urbana; Energia; Telecomunicações; Segurança; Recursos humanos; Estrutura portuária e aeroportuária; Saneamento; Hotelaria e turismo; Estádios e estruturas de apoio; Financiamento). Ao acrescentarmos a isso os elementos acima elencados, torna-se evidente que o desafio não é de pouca monta.

Agenda positiva
Nesse sentido, a direção da FNE, respeitando e estimulando o caráter aberto, franco e democrático dos debates que se propõe a conduzir, sente-se na obrigação de sugerir uma tríade de orientações que, em seu julgamento, devem estar presentes em todas as intervenções e colaborações ao longo do “Cresce Brasil – Copa do Mundo”:

A primeira orientação é a busca de informações precisas sobre o “estado da arte”, significando a quantificação e a qualificação o mais exatas possível sobre cada uma das ações, públicas ou privadas, que devem ser executadas de hoje a junho de 2014. Urge a construção de um quadro realista e “neutro” sobre as condições presentes e futuras das múltiplas realizações envolvidas na preparação do País para a Copa.

A segunda diz respeito ao que denominaríamos “viés” dos debates. Cremos que nossa maior contribuição está na busca de soluções e não no diagnóstico e na repercussão dos eventuais problemas. Sem abrir mão da identificação de gargalos ou de questionamento de opções ou decisões, nossa postura é de uma intervenção positiva e propositiva, que forneça ao conjunto de agentes envolvidos caminhos e alternativas para a superação de dificuldades e redução de custos e riscos.

Por fim, sugerimos que o horizonte dos debates deve concentrar-se menos na realização do evento em si, sem, é claro, desconsiderar a busca de seu sucesso, mas no legado que a Copa pode e deve deixar para o País, particularmente nas suas 12 cidades-sede. Sob a ótica do desenvolvimento brasileiro, é no pós-Copa que devem estar centrados nossos esforços e preocupações se, como explicitado na abertura deste texto, compreendemos o evento como um momento-síntese da busca do crescimento da economia nacional.

Cremos que, munidos dos conhecimentos profissionais dos engenheiros brasileiros, da compreensão coletiva das condicionantes “externas” ou “não técnicas” e guiados pelos três eixos de orientação apresentados, nossa contribuição poderá ser sólida e eficaz, fazendo da Copa de 2014 mais um marco do processo contínuo e sustentado do progresso do País.

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